Revenge Porn: quando a exposição da intimidade vira entretenimento
Em 2025, o Brasil foi tomado pelo sucesso de Beleza Fatal, a primeira novela produzida pela Max no país. A produção estreou em janeiro no streaming e chegou à TV aberta, pela Band, em 10 de março, ocupando o horário nobre com um elenco de peso. Estrelada por Camila Pitanga, Camila Queiroz e Giovanna Antonelli, a história, escrita por Raphael Montes, foi marcada por conflitos familiares, jogos de poder e relações atravessadas por desejo, ambição e vingança.
Com ela veio uma reflexão: será que já nos acostumamos tanto a ver corpos e intimidades expostos que deixamos de nos incomodar com essa exposição? E o mais grave: será que naturalizamos práticas como o revenge porn (pornografia de vingança)?

Beleza Fatal e a naturalização da exposição da intimidade
Do ponto de vista psicológico e relacional, a novela provocou reflexões sobre o ideal de beleza e a influência da autoestima. Além disso, com um olhar mais apurado para a sexualidade, trouxe visibilidade às práticas fora da heteronormatividade monogâmica — um ponto positivo, considerando o impacto da TV na formação de crenças culturais.
Mas um detalhe merece atenção: o revenge porn.
Revenge porn: da ficção para a vida real (ou seria o contrário?)
Na trama, Lola (Camila Pitanga) expõe um vídeo íntimo do marido (Caio Blat) em um contexto sexual, como forma de vingança. Essa escolha narrativa poderia ser um gatilho para o debate sobre violência, direitos sexuais e consentimento. No entanto, foi tratada como mais um recurso dramático, normalizando um comportamento criminoso.
Na vida real, isso é violência. Por isso, a literatura científica chama esse fenômeno de Image-Based Sexual Abuse (IBSA), também conhecido como pornografia de vingança ou revenge porn.

As diferentes formas de Image-Based Sexual Abuse (IBSA)
Esse fenômeno vai muito além da ideia simplista de “um(a) ex vingativo(a) compartilhando nudes”. Por exemplo, como descrevem Powell, Henry e Flynn (2018), a violência pode acontecer em diferentes contextos e com diferentes fins:
Retribuição relacional: imagens íntimas usadas para causar sofrimento, destruir reputações ou manipular sentimentos após o fim de um relacionamento.
Sextorsão: chantagem para obter novas imagens, dinheiro ou favores sexuais.
Voyeurismo: gravações sem consentimento para gratificação sexual ou status social (ex.: upskirting, downblousing).
Sexploitation: comercialização de imagens íntimas em mercados ilícitos.
Registro de agressões sexuais: filmagem e divulgação de estupros ou abusos.

As consequências devastadoras do revenge porn
Pesquisas apontam que vítimas de revenge porn sofrem com ansiedade, depressão, isolamento social e ideação suicida (Henry, Powell & Flynn, 2017). Além do impacto emocional, enfrentam também perdas profissionais e financeiras. Isso acontece porque a circulação das imagens foge de qualquer controle (Powell et al., 2020).
No Brasil, 81% das vítimas de pornografia de vingança são mulheres (SaferNet Brasil), evidenciando o quanto essa violência tem um recorte de gênero.
O que diz a legislação brasileira
Alguns avanços importantes já foram conquistados:
Art. 218-C do Código Penal (Lei 13.718/2018): criminaliza a divulgação não consensual de imagens íntimas.
Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014, art. 21): garante remoção rápida mediante notificação extrajudicial.
Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006): pode ser acionada em casos de exposição íntima em relacionamentos abusivos.
Ainda assim, as denúncias continuam crescendo a cada ano (ONU Mulheres).
Por que precisamos falar sobre revenge porn
Quando a exposição íntima é usada como recurso narrativo sem crítica, como em Beleza Fatal, corremos o risco de naturalizar a violência. A TV, as redes sociais e a cultura de reality shows contribuem para que a sociedade deixe de se indignar diante da exposição sexual não consensual.
Portanto, é preciso lembrar: quando a intimidade vira moeda de troca, instrumento de poder ou ferramenta de humilhação, não estamos diante de entretenimento, mas de violação de direitos sexuais.
E a grande questão permanece: se não nos incomodamos ao ver revenge porn na ficção, que tipo de entendimento sobre sexualidade estamos formando no Brasil?
Nem toda crise é o fim.
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