Fui convidada pelo jornal O TEMPO para conversar sobre a autossexualidade, uma orientação sexual em que o desejo é direcionado para si mesmo. Neste blog post, compartilho a entrevista que esclarece as características fundamentais dessa orientação e a diferenciação crucial do comportamento narcisista. Esta matéria, escrita por Alex Bessas, visa proporcionar maior compreensão e visibilidade sobre a autossexualidade, abordando suas implicações na vida das pessoas que se identificam dessa forma.

Autossexuais: quando o desejo sexual é direcionado a si mesmo

Orientação pouco conhecida, autossexualidade é, por vezes, confundida com um comportamento narcisista

A modelo carioca Luana Sandien, que vive em Barcelona, na Espanha, causou frisson nas redes sociais quando, em entrevista ao jornal inglês “The Sun”, declarou se identificar como autossexual. “Se eu me vejo no espelho, já fico excitada”, reconheceu. “Eu sou atraída por mim mesma. Sempre me senti assim, mas não tinha um nome para descrever isso”, detalhou a brasileira, inteirando que “saiu do armário” em junho de 2021, quando “admitiu que queria ter encontros com ela mesma”. 

Ainda uma orientação pouco conhecida, a autossexualidade foi definida pela primeira vez pelo terapeuta sexual Bernard Apfelbaum, em 1989. Ele descreve o comportamento pelo viés de uma dificuldade em sentir atração erótica por outras pessoas. Contudo, pontua que essa ausência de desejo não significa, necessariamente, que o autossexual não terá relações com outros sujeitos. Para Luana, trata-se de “algo como ser uma pessoa independente”. “Encontrei-me sendo solteira, é a melhor coisa que uma mulher pode fazer por si”, garantiu na reportagem, que foi publicada na semana passada. 

“Para facilitar o entendimento podemos pensar que o heterossexual orienta seu desejo para uma pessoa de gênero diferente ao seu; a pessoa bissexual sente-se atraída e orienta seu desejo para pessoas de ambos os gêneros. No caso do autossexual o interesse e o desejo sexual é voltado para si mesmo, sendo a pessoa eroticamente excitada por seu próprio ser físico”, explica a psicóloga e sexóloga Mariana Galuppo.  

“Um comportamento normalmente associado à autossexualidade é preferir recorrer à masturbação a engajar-se no ato sexual”, expõe a especialista, ponderando que pessoas não autossexuais podem também preferir este recurso por dificuldades de dizer o que lhe proporciona prazer ao outro ou por uma falta de estimulação adequada vinda de sua parceria. Nesses casos, o indivíduo utiliza da autoestimulação para se satisfizer, mas segue sentindo atração por outras pessoas, diferentemente do autossexual, que prioriza a masturbação por entender que tem em si mesmo o estímulo erótico necessário para sua excitação. 

“É comum que esse grupo de pessoas tenha fantasias erótico-sexuais consigo mesmas durante o sexo ou a masturbação, sinta-se mais excitada consigo e com seu próprio corpo do que com os demais e que se satisfaça sexualmente ao se ver no espelho ou em atividades rotineiras de autocuidado, como passar um hidratante corporal, por exemplo”, pontua. 

Mariana informa que, em certa medida, “todos nós podemos sentir excitação por nós mesmos”. O que ajuda a explicar o sucesso dos espelhos sobre camas em motéis. “Isso vai acontecer quando estimulamos pensamentos autoeróticos, quando nos sentimos mais sexys ao nos vermos no espelho com uma lingerie ou uma roupa íntima não habitual ou quando nos tocamos”, diz. Nada disso, contudo, faz de alguém autossexual. “Para essas pessoas é diferente. Para elas, a excitação através de sua autoimagem e da autoestimulação é mais intensa à vivenciada com outras pessoas, ou até mesmo exclusivamente necessária”, informa. 

Narcisismo e mastrubação compulsória

Na entrevista ao diário “The Sun”, Luana Sandien revelou que, por algum momento, sentia-se insegura quanto à própria orientação sexual, temendo que a atração por si mesma representasse algum tipo de transtorno. “É bom saber que não sou louca ou uma grande narcisista. (Que a autossexualidade) é algo real, que muitas pessoas vivem”, disse. De fato, Mariana Galuppo lembra que o comportamento autossexual não pode ser considerado um traço de narcisismo, um transtorno de personalidade diagnosticável relacionado a um padrão de grandiosidade, grande necessidade de admiração e falta de empatia.  

“A pessoa de orientação autosexual, ainda que manifeste seus sentimentos e afeto para si mesma, o faz por prazer, e não para algum ganho pessoal, como faria uma pessoa de personalidade narcisista; além disso, o fato de amar e desejar mais a si próprio, não significa que o autosexual tenha incapacidade de reconhecer ou de se identificar com os sentimentos e as necessidades das outras pessoas”, sinaliza, lembrando que, por tratar-se de um transtorno, “é possível que uma pessoa autossexual seja diagnosticada com o narcisismo, assim como pessoas das demais orientações sexuais”. 

A sexóloga cita que pode haver confusão entre o vício em masturbação e autossexualidade. “Mas precisamos ter em mente que uma das características que nos faz compreender o vício em autoestimulação é o comportamento masturbatório compulsivo, a ponto de haver prejuízos em várias esferas da vida do sujeito, como no trabalho ou na vida pessoal. Já na autossexualidade, a estimulação dos próprios genitais, não é descontrolada, tampouco se torna o centro da vida, é apenas uma das formas de expressão sexual”, difere. “É preciso a compreensão de que as compulsões precisam de tratamento, as orientações sexuais não”, completa. 

Estigma. Tanta dificuldade em compreender essa orientação sexual, confundida com um transtorno e com uma compulsão, só revela como diversos preconceitos recaem sobre as pessoas autossexuais.

Mariana Galuppo aponta serem comuns os relatos de algum tipo de sofrimento, por exemplo, em função de esses indivíduos não se sentirem compreendidos e acolhidos pelos outros. “Podemos ampliar este pensamento para as muitas pessoas das diversas orientações sexuais que fogem da heterossexualidade compulsória. Os relatos de pessoas homossexuais, bissexuais, assexuais e também de autosexuais apresentam sentimentos de incompreensão, frustração, tristeza, solidão e inadequação, além de lidarem com as consequências da patologização e preconceito advindos da falta de informação”, comenta.  

Relacionamentos. “A orientação autossexual pode ser um empecilho para o engajamento em uma relação quando não há uma compreensão do que de fato é esta orientação sexual e quais são suas necessidades, porém, quando o casal consegue respeitar e compreender suas formas de se excitar e utilizar isso como um ponto a favor da dinâmica sexual, é possível, sim uma relação saudável e satisfatória”, conclui a especialista.

Escrito por Alex Bessas para O Tempo Interessa em 25 de fevereiro de 2022. Para ler a matéria em seu site original, visite O Tempo.

Psicologia, Relacionamento e Sexualidade

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