Tive a oportunidade de conversar com o jornal O TEMPO sobre um tema intrigante e pouco discutido: a sexônia, um transtorno do sono que leva a comportamentos sexuais involuntários e inconscientes. Neste blog post, compartilho a entrevista concedida, explicando os aspectos fundamentais desse transtorno e suas implicações para a saúde e bem-estar. Este artigo foi escrito por Alex Bessas.

Sexônia: o transtorno que leva ao sexo durante o sono

Especialistas explicam que fenômeno, que é diferente da polução noturna, exige tratamento

Com estranheza e até desconfiança, repercutiu nas redes sociais a história de um tcheco, de 33 anos, que, dormindo, assediava a namorada dele e, quando acordado, simplesmente não se lembrava desses episódios. O caso foi relatado em um estudo publicado pela revista “Sleep Medicine”, em março deste ano. No artigo, os pesquisadores constataram que o paciente sofria com sexônia, um distúrbio caracterizado pela manifestação de comportamento sexual pouco usual durante o sono, envolvendo ou não outro indivíduo. A história não surpreendeu o psiquiatra Dirceu de Campos Valladares Neto, que explica que a disfunção foi descrita pela primeira vez em 2003. “Eu já tive quatro pacientes com o distúrbio”, relata. Em dois casos, o atendimento se deu em meio a um processo criminal: um dos pacientes sofreu com o problema quando estava na casa de um colega, após terem ingerido bebida alcoólica antes de dormir; outro assediou inconscientemente uma sobrinha, que dormia no mesmo quarto que ele. Outras vezes, a situação foi resolvida na esfera doméstica, como no caso de um sujeito que importunava sexualmente a parceira dele durante o sono. O especialista destaca que também atendeu uma mulher que sofria com o transtorno. Ele informa que, segundo estudos recentes, estima-se que cerca de 3% da população já vivenciou ao menos um episódio de sexônia.

A psicóloga e sexóloga Mariana Galuppo acrescenta que, diferentemente do que pode parecer a princípio, a sexônia não é classificada como um transtorno sexual, mas sim como um distúrbio do sono. “Nessas situações, o sujeito apresenta comportamentos sexuais atípicos seguido de amnésia e/ou confusão ao despertar. Esses comportamentos não habituais podem incluir masturbação, verbalizações com conteúdos eróticos, tentativa e até mesmo a consumação do ato sexual até alcançar o orgasmo”, explica, detalhando que, durante esses eventos, o paciente costuma se comportar de maneira diferente em relação ao próprio comportamento sexual consciente.

Valladares expõe que, assim como o sonambulismo e o terror noturno, o transtorno é uma parassonia do sono não REM, fase dividida em três estágios. O primeiro é a da transição entre a vigília e o sono, a segunda é uma etapa intermediária antes de um sono mais profundo, e a última é justamente a do sono mais profundo, quando as ondas cerebrais ficam mais lentas. Pesquisadores indicam que o fenômeno está relacionado a uma alteração na ciclagem normal do repouso noturno. Isto é, no período em que deveria, naturalmente, passar de uma fase para outra, o indivíduo tem alguma alteração nesse ciclo, desenvolvendo, por isso, sintomas estranhos. Nesse caso, ocorre de a parte motora estar “desperta” enquanto a consciência segue “adormecida”. Quando acontece, há pouca responsividade à intervenção externa e à limitada função cognitiva, sendo difícil acordar a pessoa durante um desses episódios.

Embora não exista uma explicação definitiva sobre a origem do problema, sabe-se que alguns fatores de risco, relacionados principalmente a situações que geram alteração do ciclo do sono, podem favorecer sua manifestação. É o caso de experiências em que há longo período de privação de repouso ou em que há ocorrência de outras comorbidades que influenciam a qualidade do descanso noturno, como a apneia (distúrbio em que a respiração para e volta diversas vezes durante o sono). Hábitos que prejudicam a qualidade do descanso noturno, como ingestão de bebidas alcoólicas, ou presença de transtornos de humor, de ansiedade e de estresse também aumentam o risco de ocorrência.

Especialistas recomendam que episódios de sexônia sejam investigados e tratados, pois podem gerar acidentes, repercutir em situações de importunação e de abuso sexual, levando o paciente a, inclusive, responder legalmente por isso. Dirceu Valladares detalha que é fundamental a investigação dos gatilhos que podem levar ao comportamento. Eventualmente, medicamentos podem ser ministrados.

Polução noturna e orgasmos durante o sono

A psicóloga Mariana Galuppo lembra que a sexônia em nada se relaciona com episódios de polução noturna, caracterizada pela liberação involuntária de esperma durante o sono. “Nesse caso, estamos falando de um fenômeno considerado natural e que está mais relacionado com a parte fisiológica da sexualidade. Grosso modo, trata-se de uma espécie de válvula de escape para eliminar o sêmen contido na vesícula seminal”, observa, citando que, nessa hipótese, a ejaculação pode acontecer sem que a pessoa tenha um orgasmo.

Ela acrescenta que pessoas com vagina também podem vivenciar manifestações sexuais enquanto dormem sem que essas experiências sejam classificadas como sexônia.

“As mulheres podem chegar ao orgasmo durante o sono”, crava, citando estudos liderados pelos biólogo e sexólogo norte-americano Alfred Charles Kinsey, fundador do Instituto de Pesquisa do Sexo na Universidade de Indiana, agora conhecido como o Instituto Kinsey para Pesquisa do Sexo, Gênero e Reprodução. “Resultados obtidos por ele e seus colaboradores, que coletaram informações sobre o comportamento sexual de homens e mulheres, mostram que o fenômeno não é raro para elas. Eles também observaram que os orgasmos durante o sono estão associados a sonhos eróticos, ou seja, assim como ocorre quando estão acordadas, as mulheres precisam de uma construção mental para alcançar a experiência orgástica”, cita. Ela comenta que o evento costuma ser mais frequente em pessoas entre 40 e 50 anos.

A relação umbilical entre sexo e sono

Sexo é aliado do repouso. Mariana Galuppo sublinha que, para além desses eventos, sexo e sono guardam relação umbilical. Ela lembra que o encontro erótico, sobretudo à noite, pode melhorar a qualidade do sono. “Além do aconchego e da troca de carícias, que geram autoconfiança, conforto afetivo e sensação de segurança, o sexo também nos proporciona sensação de relaxamento. Isso acontece porque, após o orgasmo, o corpo libera hormônios relacionados ao prazer e ao bem-estar, fatores importantes para um descanso de qualidade”, sinaliza.

Mais vigor pela manhã. Ela também confirma que, depois de uma noite de repouso, a transa tende a ser mais vigorosa. “Para começar, o sexo após o despertar não carrega consigo o cansaço acumulado ao longo do dia. Além disso, outro ponto positivo para a atividade sexual durante a manhã é a alta dosagem de hormônios, que estão associados a um maior desejo erótico e a um melhor rendimento sexual”, pontua.

Sem sono, sem sexo. Por outro lado, a especialista adverte que, principalmente quando se torna um problema crônico, a falta de sono de qualidade pode interferir no ciclo de resposta sexual. “ Qualquer coisa que desequilibre o bom funcionamento do corpo e da mente pode afetar esse ciclo. No caso da falta de sono de qualidade, pode-se perceber, por exemplo, a ocorrência de uma baixa no interesse sexual ou dificuldades nas etapas seguintes, como excitação e orgasmo. Esses fenômenos podem estar associados a questões hormonais, causadas pela falta de descanso do organismo, ou até mesmo por estafa física e mental”, explica.

Publicado originalmente por Alex Bessas para O Tempo Interessa em 13 de maio de 2022. Para ler a matéria em seu site original, visite O Tempo.

Psicologia, Relacionamento e Sexualidade

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